Aliado próximo e amigo do presidente Jair Bolsonaro, o diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antônio Barra Torres, surpreendeu integrantes da CPI da Covid nesta terça-feira (11) ao criticar as falas e ações negacionistas do chefe do Executivo e pedir para que ninguém siga suas orientações.
Barra Torres também confirmou a tentativa de alterar, por meio de um decreto presidencial, a bula da hidroxicloroquina, com objetivo de ampliar o seu uso para que pudesse ser usada no tratamento da Covid.
O presidente da agência ainda afirmou à comissão do Senado ser contra a indicação da droga contra o coronavírus. O medicamento não tem eficácia comprovada para tratar a doença.
O contra-almirante da Marinha assumiu interinamente o comando da Anvisa em dezembro de 2019. No fim do ano seguinte, foi indicado pelo presidente para o posto efetivo na agência, passando por sabatina no Senado. Seu mandato vai até dezembro de 2024.
O presidente da agência participou da CPI da Covid na condição de testemunha para explicar principalmente o processo de liberação de vacinas.
Seu depoimento contrastou com a fala do atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que na semana passada evitou qualquer resposta que representasse entrar em rota de colisão com Bolsonaro, sempre repetindo que não faria “juízo de valor”.
Nesta terça, logo no início da sabatina, o relator Renan Calheiros (MDB-AL) citou uma série de declarações de Bolsonaro contrárias às vacinas, em especial à Coronavac, segundo as quais a imunização não seria obrigatória em seu governo.
O presidente da Anvisa respondeu a Renan que essas falas de Bolsonaro iam contra tudo o preconizado pela agência.
“Todo o texto que vossa excelência leu e trouxe à memória agora vai contra tudo o que nós temos preconizado em todas as manifestações públicas, pelo menos aquelas que eu tenho feito e aquelas de que eu tenho conhecimento, que os diretores, gerentes e funcionários da Anvisa têm feito”, afirmou.
Barra Torres então defendeu a vacinação em massa para vencer a pandemia da Covid e acrescentou que, mesmo com a imunização, as pessoas não devem abrir mão de uso de máscaras e álcool em gel, além de seguir respeitando o isolamento social.
Além das vacinas, Bolsonaro também se manifesta constantemente contra essas medidas.
“Então, discordar de vacina e falar contra vacina não guarda uma razoabilidade histórica inclusive. Vacina é essencial e essas outras medidas inclusive”, afirmou.
“Eu penso que a população não deve se orientar por condutas dessa maneira. Ela deve se orientar por aquilo que está sendo preconizado, principalmente pelos órgãos que têm linha de frente no enfrentamento da doença”, completou.
Barra Torres também foi questionado sobre sua participação em uma manifestação política em Brasília, em 15 de março de 2020, com aglomeração de pessoas em frente ao Palácio do Planalto.
O diretor-presidente da Anvisa explicou que foi naquele dia ao local apenas para um encontro com o presidente, que depois decidiu se aproximar dos apoiadores. O militar disse se arrepender do episódio.
“É óbvio que em termos da imagem que isso passa, hoje tenho plena ciência de que, se pensasse mais cinco minutos, eu não teria feito, até porque esse assunto não era nenhum assunto que necessitasse de uma urgência para ser tratado”, afirmou.
“De minha parte, eu digo que foi um momento que não refleti a imagem negativa que isso passaria e certamente depois disso nunca mais houve esse tipo de comportamento meu, por exemplo.”
O presidente da Anvisa ainda reforçou que discorda do comportamento de Bolsonaro quando ele estimula aglomerações. “Destarte a minha amizade com o presidente, a conduta do presidente diverge da minha nesse sentido. As manifestações que faço têm sido todas em favor da ciência.”
Em outro ponto do depoimento considerado importante pelos senadores de oposição e independentes, Barra Torres confirmou que houve uma reunião no Planalto em que se discutiu a publicação de decreto presidencial para alterar a bula da hidroxicloroquina, para que essa pudesse ser usada contra a Covid.
O encontro foi mencionado em depoimento na semana passada pelo ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde).
O presidente da Anvisa ainda disse desconhecer de quem seria a autoria do documento -ao qual ele se opôs-, mas indicou que a médica Nise Yamaguchi parecia estar “mobilizada” em seu favor. Yamaguchi é próxima ao presidente Bolsonaro, sendo uma notória defensora da hidroxicloroquina.
Barra Torres confirmou a participação na reunião do ex-ministro Mandetta e do então ministro da Casa Civil Walter Braga Netto e de um outro médico, que ele não soube o nome.
“Esse documento foi comentado pela doutora Nise Yamaguchi, o que provocou uma reação até um pouco deseducada ou deselegante minha. A minha reação foi muito imediata de dizer que aquilo não poderia ser”, afirmou.
O presidente da agência explicou que alterações nas bulas devem ser pedidas pelos laboratórios responsáveis pelos medicamentos, que serão analisados pela Anvisa.
“A minha posição sobre o tratamento precoce da doença não contempla essa medicação [hidroxicloroquina], por exemplo. Não contempla. E contempla, sim, a testagem, o diagnóstico precoce e, obviamente, a observação de todos os sintomas que a pessoa pode ter e tratá-los, combatê-los o quanto antes”, disse.
A fala de Barra Torres foi elogiada pelos membros da comissão, especialmente o grupo formado por independentes e oposicionistas. O relator Renan Calheiros deu “parabéns” ao militar.
O presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), também cumprimentou o diretor-presidente da Anvisa por se opor ao negacionismo. “Parabéns, porque vossa excelência aqui hoje passa para o Brasil o que a ciência pensa”, disse.
O governista Marcos Rogério (DEM-RO), por sua vez, afirmou que Barra Torres apenas apresentou opiniões e nenhum fato concreto. Sobre a reunião no Palácio do Planalto e a proposta de alterar a bula por decreto, ele classificou como “crime impossível”, uma vez que essa não é a forma adequada para se fazer a mudança.
Por outro lado, Barra Torres não forneceu informações comprometedoras contra Bolsonaro em questões que se tornaram hipóteses de investigação dos senadores da comissão.
Ele descartou que houvesse algum tipo de ingerência do presidente nos assuntos da agência, ao afirmar que não houve qualquer tipo de pressão de Bolsonaro para influenciar na liberação ou recusa de vacinas contra a Covid.
“Não, não. Não houve nenhum tipo de interferência, nenhum tipo de pressão em relação a isso [autorização da Coronavac]”, afirmou Barra Torres.
O militar da Marinha também afirmou desconhecer a existência de um “ministério paralelo”, como os senadores estão chamando um grupo de aconselhamento do presidente sobre questões da pandemia, fora do Ministério da Saúde.
O senador Humberto Costa (PT-PE), no entanto, decidiu apresentar requerimento solicitando a quebra de sigilo de comunicação do diretor-presidente da Anvisa. Como havia adiantado ao jornal Folha de S.Paulo, Costa quer acesso à comunicação de Barra Torres para se certificar de que não houve pressão por parte do presidente.
Barra Torres também foi em linha contrária à do ex-ministro Mandetta em seu depoimento ao afirmar que nunca participou de reuniões com filhos de Bolsonaro.
Alvo de desconfianças iniciais de parlamentares, o diretor da Anvisa negou que a agência tenha postergado a decisão a respeito da autorização para a vacina russa Sputnik V.
Ele disse que eventual morosidade atualmente deve ser atribuída ao laboratório responsável pela imunização no Brasil, que ainda não encaminhou a documentação necessária.
Renan disse considerar muito bom o depoimento do presidente da Anvisa e destacou as falas que constrastam com opiniões do presidente.
No início da sessão, o senador Humberto Costa apresentou requerimento para convocar novamente o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, por não ter respondido claramente perguntas em sua primeira participação.