O Brasil tem a maior fronteira terrestre da América Latina e precisa organizar uma megaestrutura de segurança e logística para mapear e monitorar 17 mil quilômetros de divisas que podem ser usados para a entrada de drogas, armas e no contrabando de produtos ilegais no território nacional.
A rede de proteção, criada de forma precária pelo governo, é definida pelos especialistas como uma peneira, recheada de buracos por onde entram produtos ilegais usados para sustentar economicamente organizações criminosas e criar uma economia paralela, a serviço de facções e quadrilhas que aterrorizam o país, desafiam autoridades e chegam a ocupar cargos no alto escalão do próprio Estado.
Apesar dos entraves estruturais, durante a pandemia de covid-19, as apreensões de drogas e demais insumos ilegais aumentaram no país, em razão das tentativas de controlar a entrada de estrangeiros e de ações estaduais e federais para o fechamento de fronteiras. O presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial, Edson Vismona, especialista em ações de fronteira, destaca que ocorreram avanços na gestão do então ministro da Justiça Sergio Moro.
No entanto, ele teme que a retirada de recursos da área provoque retrocessos em um setor que precisa se desenvolver. “Tivemos um avanço importante durante a gestão do (ex) ministro Sérgio Moro, como a Secretaria Integrada de Operações (Seope), para integrar as ações policiais e o centro integrado de operações de fronteira, em Foz do Iguaçu, com apoio da Itaipu e a coordenação geral de fronteiras. Essas iniciativas resultaram em aumento permanente de apreensões, principalmente de cigarros, que é o líder de apreensões e que gera prejuízos bilionários aos cofres públicos. Mas tem que ter a manutenção destes recursos. É comum que ocorram cortes, principalmente no segundo semestre do ano”, diz.
Ele destaca que as ações para conter a entrada de itens ilegais é uma só e que as organizações criminosas se especializam no comércio de diversos produtos.
“O tráfico de drogas tem as mesmas rotas do contrabando. É muito comum pegar caminhões carregados de cigarros contrabandeados, drogas e armas. Se encontra maconha e outros entorpecentes. Os grandes produtores de drogas estão aqui nas nossas fronteiras. O Brasil, pela sua extensão, passa a ser uma porta importante para alcançar a Europa, a África e o Oriente Médio”, completa.
Proteção
No último dia 26, o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI/PR) e o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) inauguraram o “Fórum sobre Proteção Integrada de Fronteiras e Divisas”, no contexto da Semana Nacional de Políticas sobre Drogas.
O ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, apontou, no evento, a dificuldade do governo em fiscalizar todo o território fronteiriço e destacou que a América do Sul é responsável por 75% de toda a oferta global de drogas.
“O enfrentamento do crime organizado desafia a capacidade de Estado do governo brasileiro. A América do Sul é o maior centro de cultivo, produção e distribuição de cocaína do planeta, alcançando 75% de toda oferta global de drogas. A região é também a maior produtora de maconha do mundo e concorre ainda para o contrabando internacional de armas, cigarros, agrotóxicos e outros produtos. Em termos de quantidades, essa região produz 3 mil toneladas de cocaína e 8 mil toneladas de maconha por ano”, relatou. Para dimensionar o tamanho da fronteira, o general exemplificou que os 17 mil quilômetros equivalem a 17 vezes a distância Rio de Janeiro-Brasília.
Ação conjunta
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, ressaltou, na ocasião, a dificuldade logística e a importância da integração, ação conjunta e união de esforços no combate ao crime. Ele ainda destacou as consequências das drogas na sociedade e nas famílias. “Por onde ela passa, deixa um rastro de violência, abandono, desemprego, destruição, caminhos esses que, muitas vezes, não tem mais volta. Precisamos encarar esse problema em muitas frentes: prevenção, repressão, descapitalização das organizações criminosas que lucram com a destruição causada pelas drogas”.Segundo a pasta, nos últimos 12 meses, foram apreendidas 673 toneladas de drogas que passaram pelas fronteiras brasileiras.
O Relatório Mundial sobre Drogas 2021, divulgado nesta semana pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), aponta que os mercados de drogas globais retomaram rapidamente as operações após a interrupção inicial no início da pandemia com remessas cada vez maiores de drogas ilícitas, um aumento na frequência de rotas terrestres e fluviais utilizadas para o tráfico, maior utilização de aviões privados para fins de tráfico de drogas e um incremento no uso de sistemas sem contato para a entrega de drogas aos consumidores finais.
“A resiliência dos mercados de drogas durante a pandemia demonstrou, mais uma vez, a capacidade dos traficantes de se adaptarem rapidamente a ambientes e circunstâncias diferentes”, diz um trecho do documento.
O Relatório também aponta que as cadeias de fornecimento de cocaína para a Europa estão se diversificando, propiciando a redução dos preços e aumentando a qualidade, ameaçando a Europa com uma maior expansão do mercado de cocaína.
Brasil, corredor do tráfico
A extensa faixa fronteiriça do Brasil coloca o país em uma posição indesejada, como corretor para o tráfico internacional de drogas.
Segundo o levantamento, no Brasil, um importante país de trânsito para a cocaína, nenhuma grande interrupção no comércio da droga foi informada e, durante a pandemia, as apreensões continuam em grande escala e os preços da cocaína permaneceram estáveis, indicando uma cadeia de abastecimento resistente, possivelmente devido à existência de estoques de drogas.
As maiores quantidades de maconha apreendidas em 2019, por exemplo, foram relatadas pelos Estados Unidos, seguido por Paraguai, Colômbia, Índia, Nigéria e Brasil. Dos 10 países que reportaram as maiores apreensões de erva cannabis no mundo, sete são das Américas.
O Brasil ocupa a terceira posição na lista das nações com maiores quantidades de produtos do tipo cocaína interceptados em 2019, logo após a Colômbia e os Estados Unidos. O relatório informa que, “aparentemente, o principal país de saída dos embarques para a África seria o Brasil, possivelmente devido à sua infraestrutura comercial e ligações linguísticas com alguns países africanos.”
Para o analista criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Guaracy Mingardi, o Brasil deve investir em uma polícia especializada de fronteira. “Mesmo os EUA, que têm fronteira menor com o México, não conseguem parar o tráfico de heroína e cocaína que vem de outros lugares. Eles têm polícia só para isso e não conseguem parar. Mesmo que o Brasil invista numa polícia de fronteiras, não resolve, mas melhora a situação”, analisa.
Ele destaca ainda que é preciso priorizar operações contra o tráfico interno, além da realização de campanhas antidrogas mais fortes e direcionadas.
“O que a gente vai escolher? Vai dificultar a entrada de drogas para consumo interno, impedir que circule aqui ou a que vai para a Europa? Lógico que o combate é feito em várias frentes, mas creio que a principal preocupação é a droga que vem para consumo aqui. A prioridade tem que ser a nossa população, tem que priorizar o tráfico interno”, conclui.(IS e RS)