Apesar de serem proibidos pela Anvisa, os cigarros eletrônicos — também conhecidos como vapes — continuam ganhando espaço entre os brasileiros, principalmente os mais jovens. Com visual moderno e sabores variados, os dispositivos são frequentemente associados a uma falsa ideia de segurança. Mas uma nova pesquisa da Universidade Federal de Sergipe (UFS) acende um alerta: o crescimento do uso de vapes pode estar diretamente relacionado a alterações na voz, como rouquidão, fadiga vocal e redução da extensão vocal.
A investigação, publicada na revista científica Audiology – Communication Research, foi motivada pela experiência clínica da própria equipe de pesquisadores, que vinha atendendo com frequência pacientes relatando mudanças vocais após o uso de cigarros eletrônicos. Para entender se essa percepção também se refletia em um comportamento mais amplo da população, os especialistas recorreram ao Google Trends, plataforma que mede o volume de buscas por termos específicos ao longo do tempo.
A voz do Google: quando vape rima com rouquidão
O estudo analisou buscas realizadas no Brasil entre 2014 e 2024 e revelou que o termo “vape” atingiu 100 pontos, o máximo da escala de popularidade da ferramenta. Já o termo “rouquidão” registrou um pico de 22 pontos, com médias de 25,9 e 3,87, respectivamente, ao longo da década. Um dos achados mais relevantes foi a correlação entre os dois termos: sempre que o interesse por “vape” aumentava, a busca por “rouquidão” também subia.
“A correlação observada pode indicar que a população está percebendo uma possível relação entre o uso de cigarros eletrônicos e alterações na voz”, explica a fonoaudióloga Ariane Damasceno Pellicani, autora do estudo.
Embora a pesquisa não comprove causalidade, o padrão de buscas é considerado um indício de experiências reais com sintomas vocais após o uso desses dispositivos ou até mesmo da influência de notícias veiculadas na mídia. Na prática clínica, segundo Pellicani, os relatos têm sido consistentes: rouquidão, cansaço vocal e perda de extensão da voz são cada vez mais frequentes — inclusive entre cantores e profissionais da voz.
Vape: aparência inofensiva, composição perigosa
Mesmo proibidos no Brasil desde 2009, os vapes circulam livremente no mercado paralelo e são comercializados com sabores atrativos como morango, melancia e creme brûlée. Muitos consumidores acreditam que eles sejam uma alternativa mais saudável ao cigarro tradicional — o que especialistas classificam como um mito perigoso.
“A ideia de que o vape é inofensivo ou que ajuda a parar de fumar é um mito. Ele também carrega riscos à saúde vocal e respiratória, já reconhecidos internacionalmente”, reforça Pellicani.
A maioria dos dispositivos contém nicotina, mesmo quando isso não está explicitamente indicado nos rótulos. Além disso, há presença de aromatizantes químicos, solventes e, em alguns casos, traços de metais pesados. Alguns modelos utilizam o chamado sal de nicotina, uma versão quimicamente modificada da substância, que permite absorção mais rápida e em concentrações elevadas pelo organismo.
Diversos estudos já associaram o uso de cigarros eletrônicos a lesões nas pregas vocais, tosse persistente, chiado no peito, dor de garganta e até complicações cardiovasculares. Segundo a pesquisadora, os dados obtidos na análise de buscas são apenas o começo de uma linha de investigação mais ampla, que agora precisa ser aprofundada com metodologias clínicas, experimentais e epidemiológicas.
“Precisamos avaliar os efeitos do vape na mucosa vocal, na biomecânica da laringe e nos parâmetros acústicos e auditivos da voz. E entender se esses danos são reversíveis com a cessação do uso”, conclui a fonoaudióloga.