Um estudo da USP solicitado pela CPI da Covid-19 reforça que a disseminação do coronavírus no Brasil se deu por “empenho e eficiência” do governo federal.
“Os resultados [da pesquisa] afastam a persistente interpretação de que haveria incompetência e negligência da parte do governo federal na gestão da pandemia“, afirma o texto. “Ao contrário, a sistematização de dados revela o empenho e a eficiência em prol da ampla disseminação do vírus no território nacional, declaradamente com o objetivo de retomar a atividade econômica o mais rápido possível.”
O estudo, batizado “Mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil”, foi feito pelo Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (Cepedisa) da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). O relatório, entregue aos senadores da CPI nesta segunda (7), reforça conclusões emitidas em janeiro, quando foi publicada uma primeira versão do documento.
Segundo a pesquisa, “constatou-se a confluência entre esferas normativa, de gestão e discursiva da resposta federal à pandemia, havendo coerência entre o que se diz e o que se faz. Procede, portanto, a hipótese da existência de estratégia de disseminação da doença”.
O relatório embasa essa avaliação em ações do governo federal como a “defesa da tese da imunidade de rebanho (ou coletiva) por contágio (ou transmissão) como forma de resposta à Covid-19, disseminando a crença de que a ‘imunidade natural’ decorrente da infecção pelo vírus protegeria os indivíduos e levaria ao controle da pandemia, além de estimativas infundadas do número de óbitos e da data de término da pandemia”.
O estudo também lembra a “incitação constante [por parte do governo federal] à exposição da população ao vírus e ao descumprimento de medidas sanitárias preventivas, baseada na negação da gravidade da doença, na apologia à coragem e na suposta existência de um ‘tratamento precoce’ para a Covid-19, convertido em política pública”.
Outro ponto avaliado como parte da “estratégia de disseminação da doença” é a “banalização das mortes e das sequelas causadas pela doença, omitindo-se em relação à proteção de familiares de vítimas e de sobreviventes, propalando a ideia de que faleceriam apenas pessoas idosas ou com comorbidades, ou pessoas que não tivessem acesso ao ‘tratamento precoce'”.
A pesquisa ainda cita a “obstrução sistemática às medidas de contenção promovidas por governadores e prefeitos, justificada pela suposta oposição entre a proteção da saúde e a proteção da economia, que inclui a difusão da ideia de que medidas quarentenárias causam mais danos do que o vírus, e que elas é que causariam a fome e o desemprego, e não a pandemia”; o “foco em medidas de assistência e abstenção de medidas de prevenção da doença, amiúde adotando medidas apenas quando provocadas por outras instituições, em especial o Congresso Nacional e o Poder Judiciário’; e “ataques a críticos da resposta federal, à imprensa e ao jornalismo profissional, questionando sobretudo a dimensão da doença no país”, além de “consciência da irregularidade de determinadas condutas”
“Finalmente, chama a atenção a persistência do comportamento de autoridades federais brasileiras diante da vasta disseminação da doença no território nacional e do aumento vertiginoso do número de óbitos, embora instituições como o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público Federal tenham apontado, inúmeras vezes, a inconformidade à ordem jurídica brasileira de condutas e de omissões conscientes e voluntárias de gestores federais, assim como o fizeram, incansavelmente, entidades científicas e do setor da saúde”, afirma a pesquisa.