A investigação contra um advogado por suposto tráfico de influência na Operação Lava Jato do Rio de Janeiro se tornou pivô do novo capítulo no conflito entre o ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), o juiz Marcelo Bretas e procuradores da força-tarefa.
Há quase quatro anos, Gilmar, Bretas e procuradores trocam farpas públicas em razão da condução das investigações no Rio de Janeiro.
O novo round aberto pelo ministro ocorre depois que uma operação da Lava Jato fluminense atingiu parentes de ministros do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e os procuradores solicitaram o afastamento de Gilmar da relatoria dos recursos do caso no STF.
Gilmar disparou contra Bretas durante o julgamento da suposta parcialidade do ex-juiz Sergio Moro nos processos do ex-presidente Lula. “O que se fala dessa 7ª Vara é de corar frade de pedra. […] Essa 7ª Vara está extremamente mal falada. Não sei se já ouviram falar de um personagem que gravita por aí, chamado Nythalmar. Um advogado que liderava as delações até um dado momento e se tornou uma figura espúria. Isso virou um grande problema”, disse.
Nythalmar Dias Filho foi alvo de busca e apreensão em outubro passado, em investigação aberta após representação do advogado Carlos Lucchione à força-tarefa da Lava Jato na qual relatava seu suposto tráfico de influência.
Segundo depoimentos, Nythalmar se aproximava de clientes dizendo ter relações próximas com o juiz Marcelo Bretas e com procuradores.
O jornal Folha de S.Paulo revelou em dezembro que Nythalmar alertou o ex-secretário da Saúde Sérgio Côrtes sobre uma “semana preciosa” cinco dias antes de Côrtes ser preso pela segunda vez pela Lava Jato.
A mensagem foi uma das bases do pedido do próprio advogado para que seu caso, até então em curso na 3ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, fosse levado ao STJ. Nythalmar alegou que as provas mencionavam também procuradores regionais do MPF, que têm foro na corte superior.
A liminar foi concedida pelo presidente do STJ, ministro Humberto Martins, cujo filho fora alvo de operação da própria Lava Jato fluminense meses antes. A Operação E$quema S, que mirou Eduardo Martins sob acusação de tráfico de influência, foi suspensa por ordem de Gilmar.
Os autos do caso Nythalmar estão em avaliação na PGR (Procuradoria-Geral da República), que ainda não se posicionou sobre a existência de indícios contra procuradores regionais para instauração de inquérito na corte. O procurador-geral, Augusto Aras, é crítico da Lava Jato e determinou a extinção do grupo fluminense no fim deste mês.
Desde então, o caso Nythalmar é encarado por advogados como uma possível Vaza Jato na versão fluminense. Circulam no meio jurídico do estado informações sobre a suposta apreensão de gravações de conversas entre o advogado, Bretas e procuradores, e uma possível delação.
A interlocutores Nythalmar diz que não tem como delatar porque não cometeu crimes.
Bretas negou irregularidades na condução de seus processos. “Como juiz federal há mais de 23 anos, e com a consciência tranquila da lisura do trabalho desempenhado, nego veementemente qualquer suposta irregularidade”, escreveu em sua conta no Twitter após ser citado por Gilmar.
A força-tarefa da Lava Jato afirma que a investigação contra Nythalmar foi aberta após seus próprios membros encaminharem a representação de Lucchione ao Núcleo de Combate à Corrupção da Procuradoria. O grupo disse também que compartilhou provas com o procurador responsável pelo caso.As rusgas entre Gilmar e os envolvidos com a Lava Jato fluminense começaram em agosto de 2017, quando o ministro revogou a prisão do empresário Jacob Barata Filho, dono de empresas de ônibus acusado de pagar propina ao ex-governador Sérgio Cabral.
Horas após a decisão, Bretas expediu novo mandado de prisão contra Barata, o que impediu sua soltura. Gilmar criticou a decisão e de novo determinou a liberdade de Barata.
“Isso é atípico. Em geral o rabo não abana o cachorro, é o cachorro que abana o rabo”, disse o ministro, ao comentar as decisões de Bretas.
A pedido da força-tarefa, o então procurador-geral da República Rodrigo Janot pediu impedimento, suspeição e incompatibilidade de Gilmar nos casos ligados a Barata.
A petição apontava que o ministro foi padrinho de casamento da filha do empresário e que sua mulher, Guiomar Mendes, trabalha em escritório de advocacia ligado a alguns dos investigados. Os procuradores apontaram ainda o envio de flores de Barata ao casal Mendes.
Os procuradores também apresentaram pedido de impedimento de Gilmar em causas que envolvem diretamente a Operação E$quema S, apontada nos bastidores como pivô do novo round da guerra.
A Lava Jato do Rio de Janeiro apontou que o ministro não deveria julgar os recursos do caso porque o IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público), fundado pelo ministro, recebeu R$ 50 mil da Fecomércio, pivô da investigação que mirou Martins.
As rusgas entre Gilmar e a Lava Jato fluminense extrapolaram as divergências jurídicas no início de 2019, quando o ministro acusou os procuradores de, através de auditores fiscais, investigá-lo irregularmente.
O caso começou após a elaboração pela Receita Federal de dossiês sobre 134 agentes públicos, entre eles Gilmar.
O ministro atribuiu a ação a Marco Aurélio Canal, então supervisor nacional da Equipe Especial de Programação da Lava Jato –grupo responsável por aplicar multas aos acusados da operação por sonegação fiscal–, que recebeu o material.
Embora não atuasse nas investigações, mas sim nas autuações contra os alvos após as operações, seu envolvimento no caso dos dossiês foi o estopim para a crise entre Gilmar e os procuradores.
O ministro acusou os procuradores de usarem a Receita para “pistolagem”. O Ministério Público Federal apontou “devaneios” de Gilmar.
Marco Aurélio Canal acabou preso pela própria força-tarefa da Lava Jato, sob suspeita de extorquir dinheiro de investigados na operação.
Após a prisão, o procurador Almir Sanches, da força-tarefa, afirmou esperar uma retratação de Gilmar.
“As autoridades que fizeram essas ilações que nós julgamos bastante descabidas não tinham como saber que a investigação estava em curso. Mas também não tinham por que supor que membros do Ministério Público, do Judiciário ou da polícia estavam envolvidos com isso. Agora há um novo fato. Espera-se alguma retratação de acusações graves que foram feitas”, disse Sanches.
Gilmar nada comentou.