Por quanto tempo pode durar a imunidade contra o coronavírus? Anos, talvez até décadas, de acordo com um novo estudo – a resposta mais otimista até agora para uma pergunta que acompanha os planos para uma vacinação em massa. Oito meses após a infecção, a maioria das pessoas que se recuperaram ainda têm células imunes suficientes para defender o corpo contra o vírus e prevenir contra a covid-19, apontam novos dados da pesquisa realizada pelo La Jolla Institute for Immunology, organização sem fins lucrativos localizada na Califórnia que financia estudos sobre doenças ligadas ao sistema imunológico.
O estudo, disponível online, ainda não foi revisado por outros cientistas ou divulgado em uma publicação científica, mas é a pesquisa mais detalhada e abrangente sobre a memória imunológica do coronavírus até o momento. Um ritmo lento de diminuição de células imunes em curto prazo sugere, felizmente, que essas células podem permanecer no corpo por um longo período.
“Essa quantidade de memória (imunológica) poderia impedir por muitos anos que a maioria das pessoas fossem hospitalizadas com a doença”, disse Shane Crotty, virologista do La Jolla que co-produziu o novo estudo. As descobertas devem representar certo alívio para os especialistas que estavam preocupados com a possibilidade de a imunidade contra o novo coronavírus ser curta, e que as vacinas talvez precisassem ser reforçadas outras vezes para controlar a pandemia.
Os resultados da pesquisa batem com outra descoberta recente, a de que os sobreviventes da síndrome respiratória aguda grave, SARS, causada por outro coronavírus, ainda carregam células imunes importantes 17 anos após a infecção. Os dados do estudo são corroborados por evidências encontradas em pesquisas de outros laboratórios.
Pesquisadores da Universidade de Washington, liderados pela imunologista Marion Pepper, já haviam mostrado que certas células “de memória” produzidas após uma infecção pelo coronavírus continuavam no corpo por pelo menos três meses. Um estudo publicado na última semana também concluiu que pessoas que se recuperaram da covid-19 têm células poderosas e imunes capazes de destruir o vírus até mesmo quando anticorpos não são detectáveis.
Todos estes estudos estão chegando a conclusões similares, de que “uma vez que você passa das críticas primeiras semanas, o resto da resposta (imunológica) parece bem comum”, disse Deepta Bhattacharya, imunologista da Universidade do Arizona. Akiko Iwasaki, pesquisadora de Yale, disse que não se surpreende com o fato de o corpo produzir imunidade de longo prazo porque “é o que deve acontecer”. Mesmo assim, ela mostrou empolgação com a notícia.
Um número pequeno de infectados incluídos no novo estudo não apresentaram imunidade duradoura após a recuperação da doença, talvez por diferenças na quantidade de coronavírus aos quais foram expostos. Mas vacinas podem suprir essa variação individual, segundo Jennifer Gommerman, imunologista da Universidade de Toronto. “(A vacina) vai ajudar a concentrar as respostas (imunológicas), então não teremos a heterogeneidade encontrada em uma população infectada”, afirmou ela.
Nos últimos meses, registros da diminuição de anticorpos geraram dúvidas sobre o fim da imunidade em poucos tempo, deixando as pessoas vulneráveis ao vírus outra vez. Mas vários especialistas apontaram que é natural que os níveis de anticorpos diminuam. Além disso, anticorpos são apenas uma parte do sistema imunológico. Apesar da presença dos anticorpos no sangue ser necessária para bloquear o vírus e uma segunda infecção – uma condição chamada de imunidade esterilizante -, células imunes que “lembram” do vírus podem frequentemente ser responsáveis pela prevenção de doenças mais graves.
“A imunidade esterilizante não acontece com frequência – essa não é a regra”, disse Alessandro Sette, imunologista da La Jolla e co-autor do estudo. Segundo ele, é mais comum que as pessoas sejam infectadas uma segunda vez por um patógeno específico, e que o sistema imunológico reconheça o invasor e rapidamente destrua a infecção.
O coronavírus, particularmente, é lento em causar danos, dando ao sistema imunológico tempo suficiente para agir. “(O vírus) pode ser detido tão rápido que você não apenas deixa de desenvolver sintomas, mas também não o dissemina”, disse Sette. Ele e os colegas recrutaram 185 homens e mulheres, de 19 a 81 anos, que se recuperaram da covid-19. A maioria teve sintomas leves e não precisou de internação. Boa parte dos participantes disponibilizou apenas uma amostra de sangue, mas 38 deles tiveram amostras coletadas várias vezes ao longo dos meses.
A equipe rastreou quatro componentes do sistema imunológico: anticorpos, células B que produzem mais anticorpos quando necessário; e dois tipos de células T que destroem outras células infectadas. A ideia era fazer um panorama da resposta imunológica ao longo do tempo olhando para todos esses elementos. “Se você observar apenas um, pode estar perdendo a visão completa”, disse Crotty. Ele e os colegas descobriram que os anticorpos têm durabilidade, com declínios modestos de seis a oito meses após a infecção, apesar de haver diferença de 200 vezes entre os níveis encontrados nos participantes.
Células T mostraram apenas uma pequena e lenta diminuição no corpo, enquanto células B aumentaram em quantidade – uma descoberta inesperada que os pesquisadores ainda não conseguem explicar. “Estamos aprendendo, acho que pela primeira vez, sobre essas dinâmicas ao longo do tempo”, disse Gommerman.
Dúvidas sobre quanto tempo a imunidade contra o coronavírus poderia durar surgiram principalmente após pesquisas que tinham como foco gripes comuns causadas por esses tipos de vírus. Um estudo citado com frequência, liderado por Jeffrey Shaman, da Universidade Columbia, sugeriu que a imunidade poderia desaparecer rapidamente e que reinfecções poderiam ocorrer dentro de um ano.
“O que precisamos ter em mente é se a reinfecção vai ou não ser uma preocupação”, disse Shaman. “E ver evidência de que temos esse tipo de resposta robusta e persistente, pelo menos nessas escalas de tempo, é muito encorajador.” Segundo ele, até agora, pelo menos, os casos de reinfecção pelo novo coronavírus parecem ser raros.