Ele nasceu três meses antes da criação do município de Porto Velho: no dia três de julho de 1914, em Araçuaí, pequena cidade de Minas Gerais. É difícil imaginar o quanto de história uma pessoa com tanto tempo de vida tem para contar, mas basta comparar: ele já era idoso no ato de criação do Estado de Rondônia, em 1982, assim como na inauguração da Casa do Ancião São Vicente de Paulo, em 1978, onde atualmente divide espaço com outros 30 idosos.
Nesta terça-feira, Jacinto Coelho de Carvalho comemorará 104 anos, em companhia de técnicos e amigos que fez na Instituição. É o primeiro aniversário que passa na Casa do Ancião. Ele foi abrigado na Unidade em outubro de 2017, numa intervenção de urgência, situação quase comum em se tratando de idosos que precisam de abrigo.
Senhor Jacinto não lembra o ano que chegou a Rondônia, mas a equipe técnica que atua na Casa do Ancião conseguiu parte de seu histórico: veio de Téofilo Otoni, Minas Gerais, para morar na região de Ouro Preto do Oeste. Sua última atividade financeira antes de se aposentar foi vendedor de objetos para a casa, explica a assistente social Ana Paula Lemos.
Mas o senhor Jacinto atuou como garimpeiro na fase adulta, trabalho que relata com orgulho, nos trechos de lucidez que oscila com demência senil – o nome da perda de memória que afeta grande parte dos idosos, e que contra a qual Jacinto demonstra lutar. Em Minas Gerais ele trabalhou na coleta de cristal e de uma pedra chamada malacacheta, na extração de ouro em Rondônia, afirma que não quis trabalhar.
Parte das memórias o idoso já não lembra, mas é muito sincero: quando não consegue lembrar de um trecho, desiste e prefere mudar de assunto. Mas há um nome que desponta rápido na memória do senhor Jacinto: Sebastiana Moreira de Carvalho, a esposa dele, que mora em São Paulo. “Ela foi passear por lá e não voltou”, diz. Dona Sebastiana também é idosa, tem 80 anos e atualmente mora com uma neta. Recentemente os técnicos da Casa do Ancião conseguiram entrar em contato com ela e sentiram que há interesse nos familiares de levar o idoso para também morar em São Paulo. “A esposa disse que deseja que ele volte”, disse Ana Paula.
A ida da dona Sebastiana para São Paulo chega para nós, que ouvimos a história de vida dele, como peças que foram perdidas e que impedem a formação perfeita de um quebra cabeças, mas que por falta dela, entrou em cena outra peça: o enteado do senhor Jacinto, com quem ele morava antes de chegar à Casa do Ancião.
O trecho dessa história, ou seja, o tempo que conviveu com o enteado ele não conta, mas o último dia dessa convivência e que foi o passo final para a ida dele para a Unidade de abrigamento ainda está viva na memória da assistente social Ana Paula, técnica que atuou no processo de abrigamento do idoso. Ela não utilizou esse termo, mas pelo que deu para compreender tratou-se de um verdadeiro resgate. “Recebemos a denúncia de que um idoso sofria maus-tratos de um familiar. Fomos até o local checar a situação e realmente constatamos: era urgente e precisávamos agir rápido. O senhor Jacinto foi o único idoso que mudou para a Casa no mesmo dia que fizemos a visita”, resume. Esse dia era 16 de outubro de 2017, após essa data, ao longo de nove meses, o idoso engordou e hoje tem uma vida tranquila, mas convive com enfermidades que o impedem de andar, como osteoporose e hipertensão arterial, mas mesmo acamado demonstra ser um guerreiro: gosta de receber visitas, quase não abre os olhos, mas canta para os visitantes. Afirma que sente saudade dos irmãos na Fé: “Queria ir aos cultos”, diz.
Senhor Jacinto lembra que frequentou a Igreja Assembleia de Deus. Apesar da saúde frágil, quando questionado sobre sua longevidade, ele simplesmente responde: “Estou vivo”.
O ancião transmite para os visitantes o mesmo sentimento que os demais idosos abrigados na Casa e que partem o coração: eles nutrem esperança de bons momentos integrados à família.
Jacinto aguarda que o seu enteado, seu antigo tutor, faça uma festa para comemorar o aniversário junto com a dele, “Eu nasci no dia três e ele no dia oito, vamos comemorar unidos, o dele e o meu”, disse.
Apesar das circunstâncias que o senhor Jacinto foi encontrado pela equipe da Casa do Ancião, o enteado visita o padrasto. “O idoso gosta dele e trabalhamos esse vínculo”, afirma Ana Paula.
Ao longo de seus 104 anos, senhor Jacinto dá uma lição de determinação e amor. “Todos os dias temos uma nova lição a aprender com os idosos e o senhor Jacinto é muito forte, ele nos inspira”, arremata Neide Lania Braga, diretora interina da Casa do Ancião.