A comunidade internacional denunciou na última terça-feira (4) o uso desproporcional da força policial colombiana para controlar os protestos violentos contra o governo que em quase uma semana deixaram pelo menos 19 mortos, na véspera de novas manifestações em todo o país.
O presidente Iván Duque apoiou a ação dos uniformizados, aos quais considera vítimas de ataques, enquanto ONU, União Europeia, os Estados Unidos e organizações de defesa dos direitos humanos ergueram a voz contra os abusos policiais que também deixaram centenas de feridos.
“Nada justifica que haja pessoas armadas que, amparadas no desejo legítimo da cidadania de fazer marchas cívicas, saiam para atirar em cidadãos indefesos e agredir cruelmente nossos policiais”, declarou o presidente conservador.
O que começou na quarta-feira (28/4) passada como uma manifestação pacífica em repúdio a uma reforma tributária já retirada se transformou em protestos graves contra o governo. Segundo dados oficiais, o balanço até o momento é de 19 mortos (pelo menos três a tiros), 89 desaparecidos e 846 feridos.
“Estamos profundamente alarmados com os acontecimentos ocorridos na cidade de Cali (…) na noite passada, quando a polícia abriu fogo contra os manifestantes que protestavam contra a reforma tributária, matando e ferindo várias pessoas, segundo informações recebidas”, disse em Genebra Marta Hurtado, porta-voz do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH).
Na tarde de terça-feira (4/5) houve bloqueios nas estradas dos departamentos de Cundinamarca (centro), Meta (centro), Quindío (centro-oeste) e Vale do Cauca (sudoeste).
As manifestações se estenderam em Bogotá e Cali, a terceira cidade do país, capital do Vale do Cauca e a mais afetada pelos distúrbios.
Hurtado fez “um chamado à calma (…) Dada a situação extremamente tensa, com soldados e policiais mobilizados para vigiar o protesto”.
Defensores dos direitos humanos e ONGs denunciam ameaças e casos de violência policial, que incluem civis mortos pelas mãos de uniformizados.
A administração do presidente americano, Joe Biden, pediu “máxima moderação às forças públicas para evitar mais perdas de vidas”. E acrescentou que Washington continua apoiando o governo em “seus esforços para fazer frente à situação atual mediante o diálogo político”.
Cali e Bogotá em chamas
Na terça-feira (4/5), a violência atingiu Bogotá, quando dezenas e pessoas atacaram delegacias após vários dias de protestos em sua maioria pacíficos.
“A escalada violenta desta noite é brutal”, lamentou a prefeita Claudia López no Twitter.
A prefeita de centro-esquerda denunciou que “policiais foram baleados, feridos com arma branca”. O balanço oficial é de sete civis e 27 policiais feridos.
Os protestos também se tornaram particularmente violentos em Cali, onde na noite de terça foram registrados distúrbios em alguns bairros como Siloé e prosseguiam os bloqueios em acessos e outros pontos da cidade.
A cidade de 2,2 milhões de habitantes está militarizada desde a sexta-feira por ordem do governo. Manifestantes asseguram que a força pública abriu fogo contra civis.
Segundo a prefeitura, na segunda-feira (3/5) à noite morreram cinco pessoas e 33 ficaram feridas. A Defensoria do Povo não confirmou esses números.
Houve bloqueios nas principais rodovias da região, causando desabastecimento de gasolina e preocupação com o deslocamento de caminhões que levam oxigênio e material médico em meio à pandemia.
O Defensor do Povo Carlos Camargo afirmou que um membro da entidade e outras quatro pessoas foram agredidos por agentes uniformizados enquanto prestavam assistência a detidos em Cali.
“Foram ameaçados por agentes da polícia nacional que dispararam repetidamente para o ar e para o solo, atiraram bombas de efeito moral, os agrediram verbalmente deles e exigiram que abandonassem o local”, afirmou.
Diante da chuva de críticas, o pr9esidente Duque se solidarizou com a força pública e determinou o deslocamento de vários ministros a Cali.
Segundo o presidente, a força pública é vítima de agressões orquestradas por grupos armados que atuam no país depois de mais de meio século de conflito interno.
A assinatura do acordo de paz com a guerrilha das Farc em 2016 não cessou a violência.
Três uniformizados foram baleados desde o início dos protestos.
Governo impopular
Ainda que o presidente tenha retirado a proposta de reforma tributária e o ministro da Fazenda tenha renunciado, a população segue protestando para exigir “melhores condições de vida para os cidadãos”, disse à AFP a líder das manifestações em Cali, Yonny Rojas.
“O destacamento da força pública foi muito grande, sem precedentes, uma coisa apavorante (…) Eles entram atirando nos cidadãos”, acrescentou.
Devido à explosão de violência nas ruas, três jogos de futebol que deviam ser celebrados esta semana na Colômbia pelas copas Libertadores e Sul-americana foram transferidos para o Paraguai.
Duque enfrenta protestos inéditos desde que chegou ao poder, em 2018.
Sindicatos, indígenas, organizações civis, estudantes, entre outros setores insatisfeitos exigem uma mudança de rumo de seu governo, cuja popularidade beira os 33%.
Em 2020, a força pública enfrentou a tiros protestos maciços contra a violência policial, deixando uma dúzia de mortos e mais de 500 feridos.
A Anistia Internacional pediu o “fim da repressão das manifestações (e) da militarização das cidades”.
O Ministério da Defesa enviou 47.500 soldados para áreas de todo o país. Só em Cali há 700 soldados, 500 homens das forças antimotins (Esmad), 1.800 policiais e dois helicópteros adicionais.
Os protestos atuais concentram, ainda, o desespero provocado pela pandemia, que afeta duramente o país de 50 milhões de habitantes.
Em seu pior desempenho em meio século, o Produto Interno Bruto (PIB) da Colômbia despencou 6,8% em 2020 e o desemprego subiu para 16,8% em março. Quase metade da população vive na informalidade e na pobreza, de acordo com dados oficiais.