No fundo do poço, sempre pode haver uma escotilha. Essa parece ser a ilustração ideal para o momento atual da Bolsa de Valores brasileira (B3). Na semana passada, o Ibovespa, principal índice de ações do mercado, recuou ao menor patamar desde julho de 2022.
Embora a Bolsa tenha recuperado parte do prejuízo nas últimas duas sessões, o índice segue abaixo dos 100 mil pontos, um termômetro importante para os ânimos dos investidores. As razões para o pessimismo recente foram o estouro da crise de bancos nos Estados Unidos e Europa e a demora na apresentação do arcabouço fiscal no Brasil.
Pela incerteza quanto ao desfecho da crise externa e quanto ao formato das novas regras orçamentárias, especialistas dizem que é cedo para afirmar que a Bolsa de Valores chegou ao fundo do poço.
“Os múltiplos mostram um preço bastante deprimido, em poucos momentos vimos a Bolsa tão barata. Por outro lado, as questões conjunturais, principalmente de juros e inflação, mostram que há espaço para o mercado cair mais”, diz João Daronco, analista da Suno.
Na frente dos juros, ao decidir manter a taxa Selic em 13,75% ao ano, o Banco Central deixou a porta aberta para um aperto monetário, caso a inflação não ceda da maneira esperada.
A incerteza quanto ao rumo dos juros e da própria inflação criaram o que o mercado chama de desancoragem de expectativas – ou seja, não há perspectiva de controle do aumento de preços pela política monetária. Quando isso acontece, a inflação se retroalimenta. É justamente isso que o Banco Central quer evitar, ao fazer comunicados mais duros.
Risco fiscal
Ciclos de aperto monetário, como o atual, deprimem a Bolsa por duas razões: o aumento do custo do crédito para as empresas listadas no mercado, o que reduz o lucro distribuído aos investidores, e o incentivo para a migração de recursos das ações para aplicações de renda fixa (cujo rendimento geralmente é atrelado à Selic).
A pá de cal sobre o Ibovespa foi o adiamento do anúncio do arcabouço fiscal. Fernando Haddad, ministro da Fazenda, havia prometido entregar as novas regras orçamentárias até meados de março. O presidente Lula, no entanto, colocou o plano em fogo médio, dizendo que seria necessário discutir mais, antes de anunciar o novo projeto.
Para Fernando Siqueira, chefe da área de research (análise) da corretora Guide, o plano anunciado pelo governo possivelmente estará distante do ideal – e das expectativas dos investidores.
“Não será ‘uma Brastemp’, mas o assunto está encaminhado, pelo menos. Vale lembrar que, com o fim do teto de gastos, não há nada sustentando o fiscal. O anúncio de uma nova regra reduz a incerteza e traz mais conforto para a política monetária do Banco Central”, pondera Siqueira.
Uma volatilidade de curto prazo não está totalmente descartada. A depender de quão decepcionante for o arcabouço fiscal, a Bolsa pode devolver a ligeira recuperação dos últimos dois pregões e voltar para o menor nível em meses.
Crise no exterior
Para o economista da Guide, a profundidade da crise no sistema financeiro é um ponto de maior risco. Nos últimos dias, os resgates ao Credit Suisse e ao Silicon Valley Bank (SVB) foram interpretados como sinais de que a sangria foi estancada pelas autoridades monetárias.
Por outro lado, a voltatilidade nas ações e nos prêmios de risco na Europa e nos Estados Unidos revelam que o mercado não está convicto de que o pior já passou.
A crise no exterior já causou impactos sobre o preço de commodities, como o petróleo e o minério de ferro. A perspectiva é que a quebra dos bancos possa esfriar ainda mais a atividade econômica global, o que reduz a demanda por produtos básicos.
Para a Bolsa brasileira, cujo peso maior é justamente da Vale e Petrobras, esse é mais um risco de queda no curto prazo. Por outro lado, lembra o chefe de análise da corretora, a desaceleração das commodities pode prover um alívio para os preços de produtos como os combustíveis, no Brasil.
Sendo assim, o efeito positivo sobre os juros pode equilibrar a equação na Bolsa e criar condições mais favoráveis para o mercado crescer, no médio prazo.