A Americanas informou, neste sábado (14/1), por meio de um comunicado ao mercado, que a correção das “inconsistências contábeis” estimadas em R$ 20 bilhões em seu balanço financeiro – que deflagraram uma crise na companhia nesta semana – levarão a uma revisão dos resultados de anos anteriores.
De acordo com o comunicado, os números referentes ao grau de endividamento e seu capital de giro serão alterados, o que deve levar ao descumprimento de contratos e ao vencimento antecipado de dívidas. O montante de dívidas pode chegar a R$ 40 bilhões, informou a empresa.
A assessoria da Americanas esclarece que o comunicado não traz nenhuma informação ou posicionamento novos da empresa. Trata-se apenas da disponibilização da íntegra de uma decisão judicial. Em pedido para a 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, a varejista obteve o direito de congelar temporariamente o pagamento de suas dívidas e reverter qualquer tentativa de execução de débitos pelos bancos. A informação foi divulgada inicialmente pelo colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, e confirmada pela reportagem.
O juiz Paulo Assed, responsável pelo processo, concedeu 30 dias para que a Americanas decida se entrará em processo de recuperação judicial, etapa em que as empresas tentam renegociar seus débitos para evitar uma falência. Até lá, ela estará temporariamente protegida de “de qualquer arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição sobre os bens”, segundo a decisão de Assed.
A íntegra da tutela cautelar concedida por Assed revelou que a Americanas já admitia ter uma dívida de R$ 40 bilhões. Até a última quarta-feira (11/1), o passivo oficialmente reconhecido pela varejista era de pouco mais de R$ 20 bilhões. Ou seja: o endividamento seria o dobro do conhecido até então pelo mercado.
“Essas inconsistências, na avaliação das requerentes, exigirão reajustes nos lançamentos da companhia, o que poderá impactar nos resultados finais divulgados nos respectivos exercícios anteriores, com alteração do grau de endividamento da empresa e/ou volume de capital de giro, implicando, por via reflexa, no descumprimento de ‘covenants financeiros’ previstos em contratos, inclusive estrangeiros, acarretando o vencimento antecipado e imediato de dívidas em montante aproximado de R$ 40 bilhões”, anotou o juiz em sua decisão.
Na prática, com o fato relevante deste sábado, a Americanas admite ao mercado que o rombo pode ser o dobro do projetado inicialmente. Se comprovado que o problema no balanço foi causado por pura manipulação contábil, esse terá sido o pior caso de fraude já registrado no mercado brasileiro.
Diretores venderam ações antes de rombo se tornar público
Na sexta-feira (13/1), o Metrópoles noticiou, com exclusividade, que, meses antes de a Americanas anunciar publicamente a descoberta do rombo contábil em seu balanço financeiro, diretores da varejista fizeram um movimento relevante de venda de ações.
Segundo levantamento exclusivo feito pelo Metrópoles, com base em documentos públicos fornecidos pela empresa para a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a diretoria da varejista vendeu R$ 241 milhões em ações entre julho a outubro de 2022. No mesmo período, houve uma compra de ações pelos diretores no valor de R$ 18 milhões, o que resulta em saldo de venda de R$ 223 milhões.
Os documentos da CVM não revelam os nomes dos diretores que negociaram as ações. Segundo uma fonte do meio jurídico, possivelmente são executivos que ocupavam cargos da diretoria estatutária (com poder de decisão sobre a empresa) na época das operações.
O período com o maior volume de venda de ações pelos executivos foi setembro. Um mês antes, a empresa havia anunciado que Miguel Gutierrez, que presidiu a Americanas por mais de duas décadas, seria substituído por Sergio Rial, ex-presidente do Santander e um dos mais renomados executivos do mercado brasileiro.
A mudança no controle era vista como um fio de esperança para a varejista, que vinha de um longo período de resultados financeiros ruins e de aperto de margens. No trimestre anterior ao anúncio da nomeação de Rial, a Americanas amargou um prejuízo de quase R$ 100 milhões, causado, principalmente, por perdas na operação digital.