O jenipapo tomou conta da galeria Millan, em São Paulo, numa exposição durante a pandemia. Nas 60 obras que o artista Jaider Esbell apresentou em “Ruku”, o cerne era essa planta fundamental para a cosmologia macuxi.
“É um trabalho que pressupõe um compromisso maior com a coletividade, com o movimento indígena, que envolve o direito à terra e passa por todos os ambientes que a gente possa usufruir como cidadão”, diz o artista em entrevista à Folha de S.Paulo durante o confinamento.
Esbell participa da Bienal de São Paulo deste ano e faz parte de uma geração de indígenas que entraram no circuito de arte recentemente, ao lado de nomes como Denilson Baniwa e Isael Maxakali.
Sua trajetória já era política antes de ele se inserir no mercado de arte. A começar por onde nasceu, a terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima -a demarcação do território, feita em 2005, é um dos casos mais emblemáticos do país. Ele se mudou para Boa Vista aos 18 anos, quando já havia participado da articulação de povos indígenas e de movimentos sociais.
“O ‘artivismo’ nada mais é do que fazer essa agitação, essa política e comunicação cada vez mais definidas dentro do argumento artístico. É essa necessidade. Entendemos a arte como uma ferramenta politica”, diz o artista plástico sobre o termo que direciona seu trabalho.
Aos 42 anos, ele afirma que, além do ponto central que a planta representa para a cosmologia de seu povo, ele também buscava mostrar uma capacidade de comunicação, fosse por meio do texto curatorial ou da própria seleção das obras e como elas eram exibidas no espaço.
Jaider já apresentou textualmente seu trabalho em obras literárias, caso de “Terreiro de Makunaima – Mitos, Lendas e Estórias em Vivências”, de 2010, em que fala sobre o Macunaíma que é um dos filhos do sol na cultura macuxi e está distante do herói de Mário de Andrade.
As pinturas extremamente coloridas, que parecem quase rendadas num fundo preto, são justamente de sua série para a Bienal, “A Guerra dos Kanaimés”, espíritos temidos e poderosos que concentram conhecimento sobre plantas e animais. Ele evoca, nessas obras, conflitos atuais vividos pelos que moram em Normandia, cidade onde está localizado a terra indígena onde nasceu.
As reivindicações do direito à terra também nortearam a performance “Carta dos Povos Indígenas ao Capitalismo”, que fez em Genebra, em 2019. O indígena entregou uma carta em que defendia uma vida digna a todos os seres ao banco UBS.
Além da exposição na galeria Millan, sua primeira individual em São Paulo, Jaider Esbell também apresentou suas obras na mostra de arte indígena “Véxoa – Nós Sabemos”, na Pinacoteca, e organizou “Moquém – Surarî Arte Indígena Contemporânea”, exposição do Museu de Arte Moderna de São Paulo, o MAM, que foi adiada em função da pandemia de coronavírus.
Essa movimentação de nomes de povos originários não é exclusivo das artes visuais. No cinema, há uma série de filmes centrados nessas populações feitos nos últimos anos, como a “A Febre”, de Maya Da-Rin, e “Chuva É Cantoria na Aldeia dos Mortos”, de Renée Nader Messora e João Salaviza. David Kopenawa, um dos autores do livro “A Queda do Céu”, também assinou o roteiro do filme “A Última Floresta”, que foi ao Festival de Berlim, junto com o diretor Luiz Bolognesi.
O espaço que essa geração de artistas contemporâneos tem ocupado nos museus e galerias, inclusive, não são passageiras na visão do artista. “Acredito que as coisas estejam acontecendo no tempo certo, na medida certa e, aos poucos, isso está se consolidando. As instituições vão entender que a gente vêm para ficar, e que não somos um modismo.