As mulheres negras são as principais vítimas de feminicídio no Brasil: elas representam 67% dos casos notificados em 2020, dos quais 61% são de mulheres pardas e 6% pretas, mostram dados levantados pelo Instituto Igarapé e obtidos com exclusividade pelo GLOBO. As mulheres brancas correspondem a 29,5% dos feminicídios e as indígenas, 1%.
Os números mostram uma escalada de assassinatos de mulheres negras no país. Enquanto o feminicídio de mulheres brancas diminuiu 33% entre 2000 e 2020, o assassinato de mulheres pretas e pardas aumentou em 45%.
Há, também, um recrudescimento dos casos envolvendo mulheres indígenas: aqui, o aumento foi de sete vezes no período de 20 anos. Os dados são os mais recentes e foram colhidos pelo Instituto Igarapé no sistema DATASUS, do Ministério da Saúde, para atualização da plataforma “EVA” – Evidências sobre Violências e Alternativas para mulheres e meninas, que conta com o apoio da Uber.
— O aumento da violência contra mulher precisa ser analisado sob a perspectiva racial e etária, e os dados precisam ser acompanhados de perto pelos tomadores de decisão, sobretudo diante da desigualdade racial presente na violência. O racismo estrutural afeta mulheres negras e as coloca em posição de vulnerabilidade e risco — afirma Renata Giannini, pesquisadora sênior à frente do projeto. — O racismo estrutural impacta diretamente a posição que mulheres negras ocupam na sociedade. Infelizmente, a grande maioria dessas mulheres estão na base da pirâmide social e econômica, têm menos acesso a serviços e estão mais propensas a sofrer todos os tipos de violência. Além disso, uma vez sofrida a violência, mulheres negras também não recebem o mesmo suporte.
De acordo com os números do DATASUS, 32% das mulheres foram assassinadas dentro de suas casas — a proporção é de 14% no caso dos homens. Entre 2000 e 2020, houve um aumento de 167% nos assassinatos de mulheres indígenas dentro de casa; 97% no caso das mulheres pardas e 41% no caso das mulheres pretas. Já o de mulheres brancas diminuiu 15%.
As informações extraídas dos sistemas de saúde são fundamentais para que se tenha um quadro mais fidedigno da gravidade do problema, diz o Igarapé. Isso porque os dados extraídos das polícias e secretarias de segurança pública de cada um dos estados brasileiros são subnotificados, pois nem todas as mulheres denunciam as violências sofridas aos órgãos do sistema de justiça criminal.
Armas de fogo
Em 2020, ano em que se tem o dado mais recente, 3.822 mulheres foram assassinadas no Brasil, o que representa um aumento de 10% em comparação ao ano anterior. A maioria das mulheres assassinadas estão na faixa etária de 15 a 29 anos (41%) e 30 a 44 anos (33%).
Metade das mulheres foram assassinadas com armas de fogo em 2020, um aumento de 5,7% frente ao registrado em 2019. Objetos cortantes foram os instrumentos utilizados para assassinar mulheres em 26% dos casos, enquanto a força corporal representou 9% dos assassinatos. Objetos contundentes estiveram presentes em 6% dos casos e produtos químicos, em 3%.
— Arma de fogo é um fator de risco para as mulheres, especialmente dentro de casa. A política de descontrole de armas de fogo tem um impacto desproporcional nas mulheres — diz Melina Risso, diretora de Pesquisa do Instituto Igarapé.
Como mostrou levantamento exclusivo feito pelo GLOBO, no Congresso Nacional, 73% das parlamentares da próxima bancada feminina são contra a flexibilização da posse e porte de armas.
Assim como nos dados gerais, o assassinato de mulheres brancas por armas de fogo diminuiu 46% no período de 20 anos. Já o de mulheres indígenas aumentou em 79%, e o de mulheres negras em 64%.
Os dados do Igarapé apontam que as mulheres seguem sendo a principal vítima de todos os tipos de violência. Segundo levantamento com base em dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), em 2020, elas foram as vítimas em 89% dos casos de violência sexual; 84% dos casos de violência psicológica; 83% dos casos de violência patrimonial; e 69% dos casos de violência física.
Mulheres têm 3,5 vezes mais chances de sofrerem violência que homens. A taxa de violência de mulheres é 270 para cada 1000 mil habitantes, enquanto a de homens é de 79. Aqui, as mulheres negras também são as mais afetadas: correspondem a 54% dos casos. Mulheres brancas são 37% e indígenas e amarelas somam 1% cada.
Em 2020, 228 mil mulheres foram vítimas de violência, sendo que a maior parte delas violência física (56%), sexual (15%) e patrimonial (2%). Embora as mulheres entre 15 e 29 anos concentrem 38% das vítimas de todos os tipos de violência, meninas de zero a 14 anos correspondem a 58% das vítimas de violência sexual.