É do Norte, da Amazônia, de Letícia Maciel Nunes, uma das vagas na maior seletiva de dança do país, a da Escola
do Teatro Bolshoi.
Ela disputou com mais de 5 mil candidatos a oportunidade de estudar no curso básico e técnico de dança clássica
na filial do famoso teatro da Rússia.
Vai passar oito anos em Joinville aprendendo a técnica de balé pela metodologia Vaganova, com dança
contemporânea e disciplinas complementares ao lado de alunos de vários estados brasileiros e de outros países.
De origem humilde, negra e indígena, começou a estudar balé com a mãe numa escola no município de Candeias
do Jamari que fica distante 25 quilômetros da capital, Porto Velho.
Até passar, aos 10 anos na fina peneira do Bolshoi, Letícia venceu várias batalhas na vida.
Quando a escola fechou, a mãe improvisou um estúdio em casa e mais tarde o transformou numa ONG. A
menina tinha aulas com a mãe no município e como bolsista com a professora Talita Brasil, na capital.
“Ela sempre impulsionou, acreditou que ia dar certo e investiu muito na Letícia”, disse a mãe Maira Nunes
Maciel, sobre a professora.
Em 2018 teve a primeira seletiva do Bolshoi em Rondônia e por pouco Letícia não conseguiu vaga, chegou à etapa
final com outras três meninas.
A família perseguiu o sonho com a mudança para Joinville este ano e lá, Letícia passou novamente por todas as
etapas classificatórias.
A etapa nacional de seleção foi em outubro e a concorrência de mais de 100 alunos por 1 vaga.
A família retornou a Porto Velho para organizar a mudança definitiva e deixar ativo o projeto da ONG Tenda
Cultural No Studio que existe desde 2014. É um projeto social de resgate de crianças e adolescentes que vivem à
margem da vulnerabilidade.
Letícia vem de uma família com sangue indígena Mura e tem parentesco com o saudoso professor Manoel Maciel
Nunes que criou no distrito ribeirinho de Nazaré, o festival folclórico mais denso do estado. De lá também, o
Grupo familiar Minhas Raízes que produz instrumentos com matéria-prima descartada pela floresta e que já
gravou três cds.
A Escola que Letícia vai estudar dança clássica oferece vários benefícios além do ensino gratuito de dança, entre
eles, ações artístico-culturais, alimentação complementar, apoio psicológico, aprendizado com renomados
mestres e assistência médica de emergência/urgência e pré-hospitalar.
A família está arrumando as malas para seguir a Joinville e Ludmila, a irmã mais velha, também é bailarina. A
mudança envolve custos e os pais se socorreram com empréstimos e doações.
“Todo o sacrifício vai valer a pena”, diz Maira.
A mãe identifica a nova bailarina do Bolshoi como afro-indígena pelo sangue negro e indígena. Os Mura, etnia da
família de Letícia, ocupam vastas áreas nos rios Madeira, Amazonas e Purus. Vivem em terras indígenas e
centros urbanos como Porto Velho, Manaus, Borba, Humaitá e Lábrea.
“Temos orgulho de nossas origens e foi isso que nos motivou em cada batalha. No meio da maioria branca, entre estrangeiros, terá sim, uma negra e indígena, de Rondônia”, ressalta a mãe.