O uso de tecnologias de reconhecimento facial no Brasil está em expansão acelerada e levanta sérias preocupações sobre privacidade, erros de identificação e discriminação. É o que revela o relatório “Mapeando a Vigilância Biométrica”, divulgado nesta quarta-feira (7) pela Defensoria Pública da União (DPU) em parceria com o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), da Universidade Candido Mendes (RJ).
Segundo o levantamento, o país possui pelo menos 376 projetos ativos de reconhecimento facial, com capacidade para vigiar cerca de 83 milhões de brasileiros — o que representa quase 40% da população. Desde a Copa do Mundo de 2014, quando os primeiros equipamentos foram adquiridos para megaeventos, essa tecnologia se espalhou por estados e municípios, especialmente nos órgãos de segurança pública.
Falta de regulamentação e erros recorrentes
Apesar do alto investimento público — estimado em R$ 160 milhões — o estudo aponta falta de regulamentação, controle externo, padronização e transparência na adoção dessas ferramentas. “As chances de erro são altas e podem gerar consequências graves, como prisões injustas”, alertam os pesquisadores.
Entre 2019 e 2025, foram mapeados 24 casos de erro, incluindo o do personal trainer João Antônio Bastos, detido injustamente em um estádio de futebol em Aracaju (SE). Bastos, que é negro, foi confundido com um foragido por um sistema de reconhecimento facial e só foi liberado após comprovar sua identidade.
Dados internacionais citados no relatório reforçam o alerta: sistemas de reconhecimento facial apresentam taxas de erro de 10 a 100 vezes maiores para pessoas negras, indígenas e asiáticas, em comparação com indivíduos brancos.
Projeto de lei em debate
O Senado aprovou, no fim de 2024, o Projeto de Lei nº 2338/2023, que pretende regulamentar o uso da inteligência artificial no Brasil, incluindo o reconhecimento facial. O texto, no entanto, recebeu críticas por conter exceções amplas que, na prática, autorizam o uso irrestrito da tecnologia por órgãos de segurança pública.
Para os especialistas, isso pode perpetuar um cenário de vigilância massiva sem garantias de proteção de direitos.
Recomendação por leis mais rígidas e controle social
O relatório recomenda a aprovação urgente de uma lei nacional específica, a padronização de protocolos legais, auditorias independentes, maior transparência nos contratos e a exigência de autorização judicial para o uso das informações biométricas.
“A sociedade precisa estar atenta. O que está em jogo é o equilíbrio entre segurança e liberdade. O reconhecimento facial pode ser útil, mas sem regras claras, ele se transforma em um risco para os direitos humanos”, afirmou Pablo Nunes, coordenador do CESeC.
Marcelo Camargo/Agência Brasil