Deputados federais gastaram dinheiro público da cota parlamentar com empresas cujos donos são seus próprios doadores de campanha. Um levantamento feito pelo Metrópoles identificou repasses da ordem de centenas de milhares de reais na última e na atual legislatura.
O maior somatório é do deputado federal Pedro Westphalen (PP-RS). Eleito para a Câmara pela primeira vez em 2018 e reeleito em 2022, ele destinou R$ 262 mil para a firma de um empresário que o ajudou na campanha.
De acordo com as notas fiscais apresentadas à Câmara para reembolso dos valores, as despesas se referem ao aluguel de um escritório em Porto Alegre (RS).
Sergio Antonio Linck de Mello Saraiva, dono da imobiliária Imóveis Crédito Real, doou R$ 10 mil à campanha de Westphalen em 2018.
Na mesma toada estão gastos do agora ex-deputado federal Tiago Dimas (Podemos-TO), que esteve na Câmara na legislatura passada.
Posto privilegiado
Enquanto esteve no cargo, Tiago Dimas apresentou notas fiscais para reembolso cujos valores somam R$ 190 mil e se referem a gastos no posto de combustível de um dos seus maiores financiadores de campanha.
O levantamento do Metrópoles foi feito com base em dados disponibilizados pela Câmara dos Deputados e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Foram consideradas doações de campanha acima de R$ 10 mil, nas eleições de 2018 e de 2022.
Aluguel de carros e segurança
O atual prefeito de Recife, João Campos (PSB-PE), também aparece em destaque. Enquanto esteve na Câmara, também na legislatura passada, ele usou R$ 184 mil da cota parlamentar para custear o aluguel de veículos.
Todas as notas fiscais apresentadas para esse tipo de despesa são da Parvi Locadora, que pertence a Pedro Everton Schwambach. Em 2018, Schwambach doou R$ 20 mil à campanha de João Campos, filho de Eduardo Campos, ex-presidenciável morto em um acidente aéreo na campanha de 2014.
Na mesma linha estão gastos do então deputado Bosco Saraiva (Solidariedade-AM). O político, que deixou a Câmara no fim de janeiro, atualmente comanda a Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa).
Ele destinou R$ 86 mil para a contratação de serviços de agente de portaria prestados pela Amazon Comércio e Serviços em Geral. A empresa tem no quadro societário Fábio de Souza Melo, que doou R$ 20 mil à campanha de Bosco Saraiva.
Gastos continuam
O deputado Marcos Aurélio Sampaio (PSD-PI), por sua vez, apresentou à Câmara notas de R$ 87 mil para ser reembolsado por gastos com um posto de combustível de Teresina cujo dono é o empresário Guilherme Araújo Parente, que lhe deu R$ 20 mil nas eleições de 2018.
Já o deputado Leônidas Cristino (PDT-CE) gastou R$ 41 mil da verba de gabinete com o aluguel de equipamentos de escritório, como computadores e impressora. Custódio Gomes de Azevedo Neto, dono da ibyte, empresa que recebeu os repasses, ajudou a campanha do político com R$ 35 mil, também em 2018.
O que é a cota parlamentar
A cota parlamentar é um valor que a Câmara disponibiliza para os deputados custearem despesas típicas do mandato, como passagens aéreas para as viagens a Brasília e custos relacionados à manutenção dos gabinetes mantidos nos estados.
A cifra destinada a cada um dos 513 parlamentares varia conforme o estado. Deputados do Distrito Federal, por exemplo, contam com R$ 36,5 mil, enquanto os do Acre — que precisam gastar mais com os deslocamentos até a capital federal — têm R$ 50,4 mil à disposição todo mês.
Em nota, a Câmara afirmou que é dado aos deputados o direito de livre escolha para a contratação de empresas, observando as normas vigentes, e que os parlamentares assumem a responsabilidade sobre o documento fiscal apresentado para justificar cada gasto.
“Cabe à Câmara, no âmbito administrativo, verificar os gastos apenas quanto à regularidade fiscal e contábil da documentação comprobatória”, diz a nota.
O que dizem os políticos
Ao Metrópoles o deputado Pedro Westphalen (PP-RS) afirmou que a escolha da imobiliária à qual ele destinou parte de sua cota não foi feita pelo gabinete, mas pelo proprietário do imóvel, com o qual foram feitos todos os contatos para contratação do espaço.
“É importante esclarecer, também, que a exigência de um CNPJ por parte do locatário é da própria Câmara dos Deputados”, disse o deputado em nota.
Westphalen explica que o escritório fica na área central de Porto Alegre, ao lado da sede estadual do PP e a cerca de 100 metros da sede do governo do estado e da Assembleia Legislativa e da sede do Judiciário local. “Trata-se de um local de trabalho, amplamente utilizado no recebimento de prefeitos, vice-prefeitos, vereadores e comunidades gaúchas”, disse.
A Imóveis Crédito Real afirmou que não há qualquer relação entre a doação de campanha e os pagamentos que recebe via cota parlamentar. “O imóvel não é de propriedade da Crédito Real, de modo que os valores arrecadados a título de aluguel, condomínio e tributos não têm como beneficiária final a Crédito Real”, disse em nota.
A assessoria de Tiago Dimas (Podemos-TO) atribuiu os gastos no posto de combustíveis do financiador do ex-deputado à necessidade de deslocamento pelos municípios de Tocantins. “Além deste, pelo menos outros 75 postos de combustíveis foram utilizados pelo deputado e todas as compras ocorreram dentro da normalidade”, afirmou.
A assessoria de Edivaldo Campelo, sócio do posto que recebeu recursos de Dimas, afirmou que o ex-parlamentar é cliente “há muitos anos” e que as transações se deram dentro da normalidade. “Sobre a doação, foi realizada seguindo todos os trâmites legais.”
João Campos, ex-deputado e atual prefeito de Recife, se manifestou por meio de seu partido, o PSB. Disse que os repasses ocorreram “dentro da legalidade, respeitando a legislação eleitoral e o regimento interno da Câmara, não havendo qualquer ligação entre a doação e a contratação”.
“A empresa contratada é uma das maiores do Nordeste, tendo expertise para prestar o serviço contratado”, disse ainda.
O deputado Leônidas Cristino (PDT-CE) afirmou, em nota, que todas as doações de campanha que recebeu obedeceram a legislação e foram devidamente declaradas. “Quanto às despesas típicas do exercício das atividades do mandato de deputado federal, englobadas pela cota parlamentar, obedecem estritamente às normas específicas instituídas pela Câmara”, disse.
O Metrópoles tentou contato com o ex-deputado Bosco Saraiva e com o deputado Marcos Aurélio Sampaio, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. Também foram procurados os empresários Pedro Everton Schwambach, Fábio de Souza Melo, Guilherme Araújo Parente e Custódio Gomes de Azevedo Neto, que não responderam.