Qual o impacto socioambiental de 75 projetos de estradas previstos para a Bacia Amazônica nos próximos cinco anos?
Pesquisadores do Brasil, Estados Unidos, Bolívia, Colômbia e Suécia analisaram e descobriram que os 12 mil quilômetros de estradas novas ou ampliadas podem causar o desmatamento de 2,4 milhões de hectares de floresta nativa que se estenderão por até 20 anos. Isso equivale a três vezes a área da Região Metropolitana de São Paulo.
O estudo foi publicado na revista científica PNAS, da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos.Escolhendo alguns dos maiores e mais controversos projetos de cinco países que compõem a Bacia Amazônica para análise, os pesquisadores identificaram que o desmatamento médio causado pelos 75 projetos é de 33.000 hectares – o equivalente a cem Central Parks de Nova York.
As estradas previstas para o Brasil têm, na média, o mais alto nível de desmatamento e também mais da metade do impacto geral, com 1,42 milhão de hectares de desmatamento adicional esperado em 24 projetos.
Em termos gerais, são cerca de 100 hectares de desmatamento por cada quilômetro de estrada. Ao custo total estimado de 27 bilhões de dólares, pelo menos 17% dessas obras violam a legislação ambiental e o direito de povos indígenas. Mesmo do ponto de vista econômico, 50% dos projetos trariam perdas financeiras, já que custariam mais para ser construídas e mantidas do que trariam benefícios.
A pesquisa detectou que os estudos de viabilidade técnica da maioria dos projetos, quando existem, ignoram os impactos socioambientais. Dados que justificam as escolhas também são escassos.
Para Alfonso Malky, diretor técnico para a América Latina do Conservation Strategy Fund, muitos projetos são escolhidos porque fazem parte de promessas eleitorais. No entanto, a percepção generalizada de que estradas são sinônimos de desenvolvimento, segundo ele, não corresponde à realidade.
“São muitos os projetos de estradas na Amazônia que geram desastres ambientais, sociais e econômicos. A corrupção é outro fator. O histórico da região mostra que o alto volume de recursos pode ser um chamariz para corruptos”, alerta. No mínimo 20% dos projetos de estradas costumam ultrapassar o orçamento previsto.
Falta avaliação consistente sobre o real impacto que esses projetos vão causar, critica Ane Alencar, diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), que participou do estudo.
“Quando se vai pavimentar uma estrada que corta uma corredor de floresta, em uma área com problemas fundiários, somente para baratear o custo do transporte de um produto como a soja por exemplo, não está se pensando em todo o impacto que vai gerar com a especulação de terras, com o desmatamento, com os conflitos, a migração. São todos custos não contabilizados”, afirma Alencar.
Estradas tendem a aumentar o preço de terras nas regiões direta e indiretamente afetadas, servindo também como motores de desmatamento. Se o ritmo atual de expansão agropecuária na Amazônia se mantiver, lembra o estudo, 40% de toda a Floresta Amazônica terá sido extinta até 2050.
Para Alencar, um projeto que foi pensado para apoiar economicamente um só setor acaba desarticulando e gerando ônus para outros setores. A saída seria fazer uma análise da relação custo-benefício que inclua fatores como os impactos indiretos para a sociedade local.
Entre eles, está o gasto com ordenamento territorial e regularização fundiária para evitar grilagem de terras públicas e acirramento de conflitos nas áreas afetadas por essas rodovias.
Estudos de viabilidade bem feitos dependem de uma equipe técnica de qualidade, com capacidade e recursos para obter dados, algo que ainda falta na maioria dos casos. É o que considera Thaís Vilela, uma das principais autoras do estudo. Embora países como o Brasil estejam avançando em oferecer os recursos necessários, o cenário ideal ainda está distante.
“É preciso também apoio das instâncias superiores no serviço público. A questão ambiental em particular nem sempre é uma prioridade política”, analisa Vilela.
Situações específicas como a da Transamazônica (BR-230) chamam a atenção por sua própria magnitude. A estrada já conta com mais de 4 mil quilômetros de extensão. Segundo o modelo aplicado pelos pesquisadores, obras nessa rodovia, sozinha, podem ser responsáveis por 23% do desmatamento na região até 2030 – cerca de 561 mil hectares.
Outra estrada problemática, a BR-163 – principal via de escoamento da soja, entre Cuiabá e Santarém –, caso seja expandida para os 496 quilômetros previstos, pode gerar a emissão de 400 milhões de toneladas de carbono até 2030.
Além do caso crítico da Transamazônica, os dois projetos com mais impactos em desmatamento são a Troncal Piedemonte na Colômbia, com 116 mil hectares, e a Pucallpa-Contamana no Peru, com 66 mil hectares.
Para garantir, por exemplo, que protocolos de consulta a comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas sejam cumpridos e os seus direitos respeitados, é preciso uma organização permanente entre comunidades, sociedade civil e atores como entidades do terceiro setor, movimentos sociais e o Ministério Público, que não raro precisa entrar com recursos jurídicos para que a lei seja cumprida.
“A comunidade, sozinha, não tem poder de garantir que seus direitos sejam respeitados se a sociedade e as instituições não a apoiarem”, lembra Vilela. Pelo menos três estradas analisadas cruzam diretamente territórios indígenas que contam com povos isolados no Equador e na Colômbia.
Países precisam escolher qual é a sua prioridade
Por outro lado, os pesquisadores também identificaram 18 projetos com baixo impacto socioambiental. Se os gestores escolhessem focar nessas estradas, o desmatamento seria menor que 10% do que o projetado, ficando em cerca de 240 mil hectares e o ganho econômico em torno de 4 bilhões de dólares.
Ainda assim, esses projetos considerados mais eficientes ainda causam 33% de todo o desmatamento previsto, com 803 mil hectares.
“O governo e a sociedade civil devem escolher qual é o nível de impacto negativo que estão dispostos a aceitar a fim de obterem determinado ganho econômico, lembrando que parte desse ganho tende a beneficiar a comunidade local”, diz Thaís Vilela. Em alguns países o cenário é ainda mais crítico, como na Bolívia, onde 85% dos projetos previstos de estradas sequer são economicamente viáveis.
O papel dos financiadores, nesse caso, é crucial. Além de investimento público, é comum que parcerias público-privadas sejam assinadas e os projetos contem com financiamento de países como a China e de bancos de desenvolvimento nacionais, como o BNDES, e também transnacionais.
Bill Laurance, que lidera os projetos Global-Roadmap e Alert, destaca o papel que esses atores deveriam ter em exigir estudos de impacto aprofundado. Atualmente, no entanto, são fatores negligenciados.
“Esses bancos têm aprovado projetos que simplesmente não deveriam ser aprovados. Este é um problema grave. Deveria haver uma prestação de contas muito mais séria”, critica.
Para Alfonso Malky, é fundamental que esses atores pressionem para que o impacto socioambiental seja parte central dos projetos desde o seu primeiro rascunho. Só assim, com transparência e pressão baseada em evidências técnicas, cada país poderá tomar a melhor decisão possível.
“O mundo não pode mais financiar projetos que resultam em danos ambientais irreversíveis e sequer são economicamente viáveis. Especialmente em países que fazem parte da Amazônia”, alerta Malky.
Infraestrutura e coronavírus
O impacto do coronavírus em grandes projetos de infraestrutura ainda é incerto.
Ao mesmo tempo que certamente o crescimento econômico em toda a América Latina irá diminuir – as revisões atuais já apontam recessão –, é possível que os recursos sejam alocados em outros investimentos com impacto indefinido ou que os governos decidam investir em projetos de infraestrutura para estimular o crescimento econômico.
Independente desses fatores, Bill Laurance destaca que grandes projetos de infraestrutura em regiões fronteiriças e ambientalmente importantes como a Amazônia podem ser áreas críticas para novas pandemias. A pressão do mercado ilegal de diversos animais selvagens em todo o mundo contribui para isso.
“Essas áreas são focos de patógenos e doenças. Isso pode aumentar o risco global de novas pandemias. É importante que as pessoas vejam essa conexão”, alerta.