Há mais de dois meses, o Panamá, com seus 4,4 milhões de habitantes, vive uma onda de bloqueios, greves e protestos contra o governo conservador de José Raúl Mulino. O estopim foi a reforma da previdência aprovada em março, que reduz pensões e aumenta a contribuição dos trabalhadores.
A resposta popular foi imediata: sindicatos, professores, estudantes e indígenas tomaram as ruas, paralisaram rodovias e enfrentaram forte repressão. Em 20 de junho, Mulino decretou estado de urgência em Bocas del Toro, epicentro da revolta, suspendendo direitos como habeas corpus, liberdade de ir e vir e de expressão. Prisões sem mandado se tornaram rotina.
O saldo foi pesado: duas mortes — entre elas uma criança de menos de dois anos por inalação de gás lacrimogêneo —, 370 presos e 600 feridos, segundo dados oficiais e de entidades de direitos humanos. O decreto foi suspenso no domingo (29), mas a repressão continua sob a Operação Omega.
Corte de internet e perseguição
Para conter as manifestações, o governo cortou a internet e a telefonia em Bocas del Toro, deixando cerca de 200 mil pessoas sem comunicação — medida criticada pelo Comitê de Proteção de Jornalistas (CPJ). A ligação do país com o mundo só foi restabelecida nesta segunda-feira (30).
Os sindicatos estão na linha de frente. O Suntracs, maior do país, teve suas contas bloqueadas em fevereiro e seu líder, Saúl Méndez, se refugiou na Embaixada da Bolívia. Já os professores e trabalhadores bananeiros mantêm greves por tempo indeterminado. A multinacional Chiquita Brands demitiu cerca de 5 mil funcionários, alegando ilegalidade da paralisação — decisão que aumentou ainda mais a tensão.
Mais do que previdência
Para o sociólogo Werner Vásquez von Schoettler, que vive no Panamá, a crise expõe feridas antigas: pobreza crescente, energia cara, alimentos pesando no bolso. Além disso, o fechamento da gigante mina de cobre First Quantum, em 2023, reduziu a arrecadação do governo, que usa o rombo como justificativa para mudar o sistema de pensões.
Outro temor é o Canal do Panamá, controlado pelo país desde 1999. Rumores de que os EUA — sob Donald Trump — estariam interessados em reassumir o controle alimentam o clima de incerteza.
Convulsão social
“A reação das forças militares lembra os piores momentos da nossa história”, diz von Schoettler, citando a última ditadura e a invasão americana de 1989. Enquanto o governo acusa manifestantes de vandalismo, setores sociais falam em autoritarismo e perseguição.
Mesmo com medo, o povo segue resistindo nas ruas. Um grito coletivo que ecoa por direitos, dignidade e futuro — em meio ao gás, ao silêncio forçado da internet e à força policial.
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Reuters